Pensata

Fernando Canzian

20/01/2010

Obama em sérios apuros

NOVA YORK - Nenhum dos 50 Estados norte-americanos é mais Democrata (no sentido de apoio ao partido de Barack Obama) do que o liberal Massachusetts, terra do clã Kennedy.

Na eleição presidencial de 1972, Massachusetts foi o único Estado a votar no democrata George McGovern, quando perdeu fragorosamente para o republicano Richard Nixon.

E nenhuma vaga no Congresso dos EUA talvez seja mais representativa para os democratas do que a cadeira do senador Edward Kennedy, morto no ano passado.

Mas em uma eleição surpreendente na noite de quarta-feira, um republicano praticamente desconhecido do grande público, Scott Brown, foi eleito para ocupar em breve essa mesma vaga.

A derrota da adversária democrata, Martha Coakley, que contou com apoio escancarado de Obama, é o primeiro grande sinal de deterioração do quadro político a favor do presidente. E pode, daqui em diante, mudar em profundidade o modo como ele conduziu a Presidência até aqui.

Não foi apenas a cadeira de Kennedy que os democratas perderam. No aniversário de seu primeiro ano de mandato, Obama perde também a maioria apertada que tinha no Senado.

Seu projeto mais ambicioso, de reformular todo o sistema de saúde nos EUA a um custo de US$ 1 trilhão em uma década, agora corre o sério risco de ir por água abaixo.

Se isso de fato ocorrer, nada de muito significativo terá sobrado para Obama.

A economia permanece em ruínas, com desemprego em 10% (85 mil demissões em dezembro) e o crédito ao consumo (que representa 70% do PIB do país) continua em queda.

Mas os bancos voltaram a lucrar e a pagar gordos bônus. Mesmo o projeto de controlar esses bônus e ampliar a regulamentação sobre o sistema financeiro vai entrando para as calendas.

Eleitores até então democratas ou independentes ouvidos pelos jornais de Massachusetts e pelas redes de TV locais não cansavam de apontar a situação da economia, em especial o desemprego, como fator preponderante para terem mudado de lado.

Em seus primeiros 12 meses de mandato, Obama também deixou passar a chance (legítima) de depositar no governo do antecessor, George W. Bush, a culpa pelo atoleiro econômico em que está metido. Foi gentil e ingênuo com Bush e com os republicanos, que não teriam perdido essa oportunidade.

Até chamou o ex-presidente, na semana passada, para ajudá-lo a levantar fundos para a reconstrução do Haiti. O mesmo Bush que falhou vergonhosamente em consertar os estragos provocados pelo furacão Katrina, em Nova Orleans, em 2005.

Além da derrota de quarta, vários parlamentares democratas já começam a desistir de tentar a reeleição no pleito legislativo no final deste ano. Alguns, com idade mais avançada e depois de vários mandatos, temem perder e ser obrigados a encerrar suas carreiras políticas com uma derrota.

É assim que se inicia o segundo ano do mandato de Barack Obama.

Se a maré econômica não mudar em 2010, o presidente possivelmente será um aleijado político no seus dois anos restantes.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

FolhaShop

Digite produto
ou marca